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O ano do macaco

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Livro lindo, que lida com perdas que se dão em um único ano da vida de Patti Smith - um ano cheio de mudanças políticas pelo mundo e mudanças espirituais na vida interna da autora.

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Escrevo este texto ainda sob o efeito das palavras e da presença de Patti Smith.
Na quinta-feira, dia 14 de novembro, eu e mais umas 700 pessoas pudemos ouvir Patti falar sobre escrita, amizade e esperança no futuro.

Ela, que já já completa 73 anos, viveu momentos difíceis nos últimos tempos. Em 2016, viu um amigo de longa data entrar em coma e nunca mais sair. Viu também Donald Trump ser eleito com base em propostas extremamente conservadoras, excludentes e, em vários casos, desumanas.

Foi o suficiente para ela se jogar em viagens pelo país, se isolando do mundo e tentando combater os próprios medos. Dessa jornada, surgiu o livro O ano do macaco - uma mistura de memórias com sonhos, tanto daqueles que temos à noite como os do tipo que vislumbramos acordados.

Para mim, é sempre um prazer adentrar na mente de Patti. A primeira vez que fiz isso foi com Só Garotos, um dos grandes livros da minha vida. Uma narrativa sobre a descoberta da criatividade, do próprio potencial e também do amor incondicional. A relação entre ela e o fotógrafo Robert Mapplethorpe é das coisas mais lindas que já conheci.

Diante deste relato, você consegue entender qual o foi o sentimento que me preencheu naquela quinta-feira em que pude estar pertinho de uma das pessoas que mais admiro. Chorei quando entrei no lugar onde aconteceria o bate-papo. Chorei enquanto ela falava. Chorei quando nos levantamos para bater palmas, todos envolvidos numa teia de encanto.

Anotei o que pude: dos atos desmedidos de amor por seus escritores favoritos aos livros que ela mais indica. Queria é ter gravado cada palavra na minha mente, ou até mesmo no celular - coisa que esqueci. Diz a Companhia das Letras que vai publicar o áudio na íntegra. Estou aqui na espera para reviver aqueles minutos tão especiais.

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O mesmo ano que faz de Donald Trump presidente dos Estados Unidos da América, conduz a lenda do Punk Rock Patti Smith aos seus 70 anos e a perda de duas importantes referências afetivas e artísticas suas, Sandy Pearlman e Sam Shepard.
Como será que a Patti Smith de hoje (ou pelo menos a de 2016) vê e lida com tudo isso? Como é chegar aos 70 anos e ver as pessoas que caminharam com você até então deixar esta vida? Essas são algumas das questões que irão conduzir esta narrativa.

Com um texto bem errático, onde descrições dos bastidores de sua turnê se confundem com reflexões sobre política, vida, morte e arte, é um livro bem diferente do que estamos acostumados a ler por aí. Mas acho que é exatamente isso que faz dele tão impressionante.

Através dele temos acesso ao pensamento de Patti Smith como ele realmente acontece, na vida real: cheio de buracos, idas e vindas, voltas e saltos.

É aí, porém, que suas reflexões sobre o tempo ganham mais poder, e o que poderia se assemelhar a furos de narrativa rapidamente é preenchido de significado.

É um livro, evidentemente, melhor aproveitado por quem já é fã ou admira de alguma forma o trabalho de Patti Smith, mas não é necessariamente um livro para fãs; há nas suas reflexões questões que podem atingir os mais diversos públicos.

Também é interessante observar o modo como se mesclam aos seus relatos fotos suas da estrada, de lugares por onde ela passa e pessoas que movem sua história.

Embora sua narrativa por vezes se torne melancólica, principalmente quando fala das pessoas que já perdeu ou lembra do quanto de sua vida já passou, Patti Smith nos deixa com um mensagem muito positiva de que sempre há o que esperar de positivo do futuro.

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Eu nunca tinha lido nada da Patti Smith. Parece absurdo falar isso, especialmente porque toda a minha bolha da internet ama essa mulher, mas é isto: eu nunca havia lido nada dela. Tenho, entretanto, todos os livros dela lá em casa, na minha estante, me encarando. Porém, acredito firmemente que cada livro possui uma hora certa para ser lido e não forço leituras apenas pelo hype. Contudo, quando ela veio para cá, no mês passado, e lançou seu mais recente livro, O Ano do Macaco, que eu a recém havia recebido da Companhia das Letras, achei que seria uma boa hora para lê-la. Não estava enganada.

O livro é envolto em névoa. Tudo começa na virada de 2016 quando Patti, atordoada da festa, recebe a notícia de que seu amigo e companheiro de estrada, Sandy, está internado em um hospital, em coma. A partir daí, Patti divaga sobre a vida, a morte e o que significa envelhecer. Nada faz muito sentido, mas a verdade é que não precisa fazer. Os textos de Patti são para ser sentidos, não compreendidos de fato. Entretanto, pude pensar pensamentos com ela, enquanto lia suas palavras nebulosas.

Com Sandy no hospital, Patti se hospeda no Dream Motel, o que pode ou não ser verdade, mas é dessa maneira que ela se lembra. A placa do local parece persegui-la em sonhos, e logo não sabemos mais distinguir o sono da realidade. Ela também não sabe, e esse não-saber a leva a um não-lugar: transitando entre mortos e vivos, à espera do despertar de seu amigo, ela se refugia dentro de sua mente. Lá, passa a ficar obcecada com a história de algumas crianças que sumiram. Ninguém pediu resgate por elas e, estranhamente, algumas surgiram dias depois, intactas. Mas o mistério das crianças perdidas assombra Patti por algum tempo, mesmo que ela fuja de si mesma - e da história. Ao encontrar um homem aleatório e meio místico, lá está o assunto. Ao pegar carona com uma mulher desconhecida, as crianças surgem de novo.

Me percebi pensando que talvez a obsessão pelas crianças perdidas, sempre narrada como uma jornada onírica ou de conto-de-fadas, fosse uma metáfora para as perdas da própria Patti. Talvez não houvesse criança alguma ou talvez elas até existissem, mas o assunto apenas tornou-se obsessão. Parece mais fácil suportar um período de pré-luto quando nos refugiamos em assuntos de terceiros que, por mais dolorosos e difíceis que sejam, não estão acontecendo conosco. Entretanto, nossa atenção só é fixada naquilo que conversa com nossas dores, traumas e cicatrizes. Se aquilo lhe chamou a atenção é porque existe algo interno que ressoou nela ao ouvir sobre aquelas crianças misteriosamente e subitamente perdidas.

O Ano do Macaco é lento e fala sobre velhice, perda e morte. Tudo de forma bonita e poética mas, ainda assim, é possível sentir uma bela tristeza ao ler Patti e pensar que a geração da qual ela foi uma das vozes mais altas está desaparecendo, virando memória. Ela terminou de escrevê-lo aos setenta anos. Setenta. Alguns de seus amores se foram mais cedo, pessoas que admirava desapareceram muito antes disso. Ela também irá, e a consciência dessa partida é o fio narrativo que nos conduz durante o livro todo. Assim como as crianças perdidas, Patti também desaparecerá, mas suas palavras continuarão conosco, ainda que não entendamos o que é realidade e o que é sonho.

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“Foi a última de três noites seguidas de shows no Fillmore, e eu mexia nas cordas da minha Stratocaster quando um cara com um rabo de cavalo oleoso se inclinou e vomitou nas minhas botas. O último suspiro de 2015, um jato de vômito inaugurando o novo ano. Um bom ou um mau sinal? Considerando o estado do mundo, bem, quem ia saber a diferença?”

É da passagem de ano de 2015 para 2016 até o ano novo seguinte que é composto o livro O Ano do Macaco, da escritora, poetisa, fotógrafa, cantora, compositora, musa do punk rock Patti Smith, e que é a Dica de Leitura da vez.

Neste livro de memórias, Patti narra suas viagens durante o ano de 2016, o ano do macaco no calendário chinês. Um ano difícil para ela por vários motivos. Um deles foi a perda de dois grandes amigos: Sandy Pearman, produtor musical e seu mentor, e Sam Shepard, ator, roteirista e dramaturgo. Tendo a morte à espreita levando suas pessoas estimadas também a faz refletir sobre a passagem do tempo e o avanço da idade, já que em 2016 completou 70 anos de idade.

Durantes suas andanças por cidades dos Estados Unidos, Patti se encontra com pessoas inusitadas tanto pessoalmente quanto em sonho. Aliás, o tom onírico e nostálgico com que tudo é narrado dá um toque especial à obra e faz o leitor viajar em sua escrita. Chega a ser difícil colocar em palavras a sensação causada por suas palavras, mesmo quando está conversando com uma placa de hotel.

Outro acontecimento marcante foi a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, ato que culminou o descontentamento de muitas pessoas (incluindo ela). Nesse ponto, a escritora expressa seu posicionamento contra as propostas bélicas e anti-imigrantista – para não dizer anti-humanas – do candidato.

Patti cita alguns escritores, como Allen Ginsberg e Roberto Bolaño, e o livro é cheio de fotografias autorais que ilustram a narrativa que, aliás, é poesia pura. Foi minha primeira experiência com sua escrita e fiquei encantada em um nível inexplicável.

Recomendo a quem gosta de escrita poética, a quem já conhece e a quem quer conhecer a Patti Smith escritora, que esteve no Brasil na semana passada.

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