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Apátridas

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O termo apátrida vinculado à nacionalidade é muito pouco explorado na obra. Para ser entendido com o sentido de 'sentir-se deslocado, não pertencer a lugar algum' precisaria que o protagonista da história expusesse seus sentimentos, o que raramente o faz.
A obra se concentra em narrativas sobre o convívio familiar que algumas vezes pincela distinções de classes sociais, de poder e influência política, de afiliação de ideias - se é com a intenção de mostrar a necessidade de se saber a qual 'lugar' se pertence - não dá pra saber.
É uma leitura agradável permeada por relatos de lembranças de família, embora alguns capítulos (principalmente os finais) pareçam soltos ficando a cargo do leitor fazer deduções.

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O narrador que nunca é nomeado (recurso que achei muito interessante e de acordo com a proposta) é um rapaz nascido no Brasil, filho de uma brasileira e um chileno, e que morou a maior parte de sua vida nos Estados Unidos, sendo conhecido por seus parentes como "o neto americano do Sr. José". Na adolescência, muda-se com sua mãe e sua irmã para a casa de seu avô materno, após a separação complicada dos pais. E é no Mato Grosso, lá pelos anos 1990, que a maior parte da história se passa.

Apátridas foi uma daquelas obras que tive muita dificuldade em começar a elaborar o que escrever, em parte pela forma como o próprio livro é escrito, em parte pelas emoções que ela suscitou. Essa é uma história de tudo e de nada ao mesmo tempo. Explico-me: ao mesmo tempo em que não é uma saga heroica, cheia de altos e baixos, com um conflito muito específico, coisa que estamos habituados em romances (daí o nada), essa obra retrata diversos aspectos muito próprios do Brasil, personagens extremamente verossímeis, paisagens, hábitos, falas e problemas muito corriqueiros, cotidianos, e com os quais é impossível não se identificar de alguma forma (daí o tudo).

A linguagem utilizada pelo autor não poderia ser mais apropriada. Embora os termos de baixo calão e as descrições cruas de certas passagens possam causar desconforto e até levar à reprovação por parte de alguns leitores, é assim que Alejandro vai desconstruindo tabus e destrinchando problemas antigos e que nunca foram resolvidos no nosso país: o abismo entre ricos e pobres, o racismo, a desvalorização da intelectualidade, a arrogância com a intelectualidade adquirida, a supervalorização do que é estrangeiro, entre tantos outros que poderíamos ficar horas apenas elencando.

Por vezes, o desconforto gerado é justamente por nos identificarmos com alguma parte da história, ou pior, identificarmos vários dos personagens em nossas vidas. A sensação que vai tomando o narrador, de querer fugir, se libertar daquela situação por vezes tão sufocante em que vive, acabou me envolvendo também. E quantas vezes não queremos apenas escapar das situações que nos consomem?

Quem seriam os apátridas da história? O narrador certamente: não é brasileiro, não é americano, não é chileno, não se sente pertencente, sequer nos dá a saber seu nome. Mas diversos outros personagens estão deslocados de alguma forma, se não todos. E nós? Onde estamos nessa história toda? Esse pode não ser o retrato exato de nossa família, de nossas vidas, mas não deixa de ter suas semelhanças.

Como li na resenha do jornal Plural, Apátridas "é um livro importante sobre um país desimportante". Assim, convido o leitor e a leitora, corajosos que são, para se aventurarem nesse livro, que bem poderia ser um retrato de família, dessa família complicada, de sobrenome Brasil.

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