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Contágio

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Quammen segue fazendo seu excelente trabalho de historiografia científica, recontando fatos do desenvolvimento do conhecimento cientifico de maneira bastante envolvente e com conceitos bem esmiuçados. É possível aprender um pouco sobre como as investigações epidemiológicas são feitas e quais informações são importantes; ter uma noção, no caso de uma pandemia em curso, de toda a loucura para se conseguir suprimentos médicos e a pressão orçamentária provocada pelo livre mercado; e, por se tratar de vidas perdidas, é uma leitura dolorosa também.

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Antes de entrar na resenha propriamente dita, tem uma informação sobre mim que vocês precisam saber: eu sempre gostei muito de Biologia. Quase me formei em Nutrição (e curtia disciplinas como Microbiologia e Parasitologia, por exemplo) e vira e mexe assisto a programas do National Geographic ou do Animal Planet. Espero que isso ajude a entender por que decidi ler um livro chamado Contágio em plena pandemia de coronavírus rs. Introdução feita, bora pra resenha!

Contágio (não confundir com o filme homônimo, fictício) é um livro de não-ficção escrito pelo escritor de ciência, natureza e viagens David Quammen, cujos textos já foram publicados na National Geographic, Rolling Stone, entre outros títulos importantes. O livro é dividido em capítulos focados em doenças zoonóticas (ou seja, de origem animal) distintas, responsáveis pelas maiores epidemias já enfrentadas. Esses capítulos contam com subcapítulos, nos quais o autor discorre sobre cada patologia: o surgimento dela, os locais onde houve picos, os estudos conduzidos por cientistas que fizeram a diferença e diversas explicações sobre como doenças infecciosas agem. Hendra (descoberta na Austrália), Ebola (endêmica em certos países da África), Malária (transmitida por um vetor) e HIV (cuja origem foram os chimpanzés) são alguns exemplos de doenças infecciosas descritas e explicadas em Contágio.

De modo geral, a leitura é acessível para leigos, e você se sente lendo uma grande matéria jornalística a respeito do assunto. Contudo, apesar de em geral não ter uma narrativa complexa, um aspecto negativo da leitura é que com frequência o autor é repetitivo nos subcapítulos, dizendo de formas diferentes a mesma coisa (talvez para facilitar a compreensão de leitores menos habituados a esse assunto). Sem esse recurso, provavelmente Contágio ganharia agilidade. Contudo, de maneira geral a estrutura narrativa do livro é bastante envolvente: o autor vai criando uma timeline dos eventos e consegue inclusive criar cliffhangers instigantes para as informações que estão por vir.

O autor também relata em detalhes ao longo das páginas sobre o processo investigativo quando surge uma nova doença. Desde pesquisas de campo em meio a florestas tropicais até à reconstrução da linha do tempo a partir do paciente zero são etapas complexas e arriscadas que muitas vezes levam os próprios profissionais a ficarem doentes e/ou falecerem. Esse comprometimento com a agilidade na busca pela solução do problema e pela compreensão do novo são o que nos permitem ter respostas mais rápidas às pandemias (o Covid-19, por exemplo, foi identificado pouco mais de um mês após seu surgimento, em dezembro de 2019). Depois de ler sobre todos esses processos (existem doenças que levaram duas décadas para serem compreendidas, sabe!) eu fico ainda mais abismada com a desvalorização da ciência.

Contágio tem como objetivo explicar as origens e as consequências de importantes zoonoses, ou seja, doenças transmitidas de um animal para um humano, normalmente de modo acidental. E um ponto importante nesse processo, o fator comum às pandemias, reside no fato de que grande parte desse contágio é causado pela invasão humana à natureza, bem como predação de animais selvagens. A falta de equilíbrio ecológico, causado por queimadas, árvores derrubadas para plantio, caça a animais silvestres, entre outros fatores, saltou aos meus olhos como um grande problema responsável pela variedade de doenças às quais estamos suscetíveis. Evoluímos rapidamente em termos de tecnologia e conhecimento, mas a verdade é que existe uma infinidade de coisas que ainda não sabemos (e a pandemia do coronavírus é uma prova do perigo ao qual estamos expostos a micro-organismos ainda desconhecidos).

Com isso, fica evidente a necessidade de repensarmos nosso modo de vida e de consumo. O jeito que a sociedade se estrutura hoje não é compatível com um futuro sustentável e saudável. A pandemia de Covid-19 não foi uma surpresa total para os estudiosos da área, porque na verdade eles compreendem que a Próxima Grande Pandemia sempre está a um passo de acontecer – basta que um vírus ou bactéria “salte” para um ser humano (ou seja, faça um spillover, termo que designa o pulo de um animal hospedeiro para outro, no qual o patógeno também consegue se desenvolver). Pode ser por meio de um contato com uma árvore derrubada, com um animal morto na floresta ou proveniente do comércio de carne, mas a iminência de uma nova pandemia está à espreita.

Por mais que esse fato possa parecer sensacionalista e/ou assustador, é um assunto necessário. Acho praticamente impossível ler Contágio sem, no mínimo, refletir um instante sobre nossos hábitos de consumo. Não digo que você vai se tornar vegetariano ao fechar o livro. Mas quem sabe você vire. A questão é que, no mínimo, Contágio instiga o leitor a refletir sobre o nosso papel no ecossistema, e deixa uma mensagem muito clara: estamos todos juntos nisso. Não podemos esquecer de que também somos animais – porém, muito mais destrutivos e em total desequilíbrio com os outros que habitam o planeta. A leitura de Contágio nos relembra que somos um elo dessa grande corrente, e não necessariamente o mais importante. Nos resta ter humildade pra entender que somos um fragmento do ecossistema e que, se não buscarmos mais equilíbrio nas nossas relações, não podemos garantir nossa longevidade enquanto espécie.

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