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Marrom e amarelo

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Esse é um romance nacional contemporâneo que se passa em Porto Alegre e um pouquinho em Brasília. Temos dois irmãos, Frederico e Lourenço. Eles tem apenas 1 ano de diferença e cresceram no mesmo ambiente, frequentando a mesma escola, criados pelos mesmo pais, mas encararam situações diferentes por um ter a pele mais escura do que o outro. Eles crescem sob a pressão da discriminação racial. Lourenço tenta enfrentá-la com naturalidade, e Federico se torna um incansável ativista das questões raciais. Agora, com 49 anos, Frederico é chamado para uma comissão em Brasília, instituída pelo novo governo, para discutir o preenchimento das cotas raciais nas universidades. Em meio a debates tensos e burocracias absurdas, ele se recorda de eventos traumáticos da infância e da juventude.

O Frederico, que é amarelo e tem cabelo lambido, é quem narra essa história. Vamos acompanhando seus pensamentos turbulentos, mergulhando com tudo nessa raiva desmedida. No início foi difícil acostumar com esse fluxo, os diálogos são inseridos de forma peculiar no texto, tornando até um pouco cansativo, mas a curiosidade para saber os acontecimentos dessa juventude me fez continuar lendo. Quando dei por mim, havia sido fisgada por esses personagens e queria saber o queria de Roberta, quando Bárbara iria aparecer e como acabou o dia do alistamento militar de Frederico.

Um romance sensacional, que aborda o colorismo no brasil e nos faz mergulhar de cabeça na vida desses personagens. O estilo narrativo do autor é bem diferente e me agradou muito.

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8,5/10

Cada obra carrega um peso, um propósito. Acredito que Paulo Scott conseguiu chegar onde queria com essa obra e agradeço por ter o feito.

Ser uma pessoa preta e ver/ouvir/ler sobre nosso pesar, nossas dores e as consequências do simples existir é doloroso e nos marca de formas impossíveis de "reparo" e com isso não classifico o livro como inconsequente na fala, longe disso. Ele foi, como gosto de falar, o que tinha que ser. Sem mais nem menos, apenas o que é. Aproveitei cada segundo dessa leitura e acho importantíssimo o espalhar dessa obra.

Paulo possui uma escrita peculiar, muito viajada (no melhor sentido) e nem um pouco contida. Não nos poupa nas palavras, diz o que tem que ser dito, da forma que quer dizer e com os detalhes que achar necessário, nem que isso custe momento de divagar entre o passado e o futuro, que são na minha opinião de um brilhantismo notável.

Estarei atento ao autor. Apesar de entender o propósito dessa obra, acredito que Paulo tenho diversos propósitos a compartilhar. Lerei cada um deles.

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Marrom e Amarelo foi uma leitura bem interessante, mas não é uma leitura que recomendaria para leitores iniciantes em obras que debatem racismo. O estilo narrativo pode assustar alguns, e o conflito do colorismo e do não pertencimento dos irmãos protagonistas nem sempre alcançam o efeito desejado.
Para leitores mais acostumados com esse tema, esse livro tem muito a oferecer.

Uma leitura fundamental para os dias de hoje, que entrega muita verdade, mas que, na minha opinião, precisava de um pouco mais de profundidade e de desenvolvimento. Muitas linhas narrativas e acontecimentos são apresentados na historia, mas nenhum deles é concluído, e deixa o leitor um tanto perdido, sem respostas... a ideia do inacabado é um recurso interessante, mas nem sempre é captada pelos leitores .

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Federico e Lourenço são irmãos. Filhos de pai negro e mãe branca, um possui pele clara, enquanto o outro é negro retinto. A partir desse ponto Paulo Scott explora as aparentes diferenças que permeiam a vida dos irmãos e, de forma mais impessoal, propõe a discussão do racismo como tema principal de sua obra.
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Num primeiro momento, o estilo da narrativa utilizado pelo autor pode causar certa estranheza, já que o fluxo de consciência nos apresenta uma escrita corrida e com pontuação diferente da habitual. Passadas as primeiras páginas, no entanto, a leitura fica perfeitamente compreensível.
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Ambientada em Porto Alegre, “Marrom e Amarelo” é um recorte de momentos específicos na vida do narrador-personagem Federico, desde a infância até a sua fase adulta. Ativista do movimento negro, suas memórias revelam os conflitos de identidade pelos quais passou, pertencente a uma família negra, mas sendo visto como branco.
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Usando o exemplo das cotas, o autor aborda a complexidade em se estabelecer parâmetros de identidade e consequentemente a definição de preto e branco, sobretudo no Brasil. Discutindo o colorismo e o racismo estrutural, deixa claro que a questão é muito mais complexa do que simplesmente visual.
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Paulo Scott não propõe solução, mas instiga a refletir, de modo que o livro foge de uma abordagem técnica e passa a se concentrar no âmbito das experiências do protagonista. Com final aberto e relativamente comum, o desfecho é simplesmente a ideia da vida que continua além das páginas.
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Apesar do estilo incomum da narrativa e do final inconclusivo, a história é bem desenvolvida. Com personagens verossímeis e complexos, o leitor sente que os relatos são reais, que esta poderia ser facilmente a história de vida de uma pessoa qualquer. Paralelamente às questões raciais, são abordados temas secundários como dependência emocional e dramas familiares.
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“Marrom e Amarelo” é um livro que trabalha o senso de justiça e reforça a ideia de que o racismo precisa ser combatido todos os dias, por mais simples que sejam as situações em que se revela.

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Gostei demais desse livro. Peguei no NetGalley faz tempo e demorei pra começar, mas como é curtinho, consegui ler no feriado. O autor tem um estilo bastante peculiar, com períodos longos e mais vírgulas que pontos, o que exige atenção do leitor. A história vai e vem no tempo, mas o enredo é muito bem construído e a gente não se perde na narrativa.

Os irmãos Lourenço e Federico, apesar de serem filhos dos mesmos pais, têm “cores” diferentes; enquanto Lourenço é negro, Federico é pardo claro e tem cabelo liso. Ambos sempre estiveram imersos no racismo, ainda mais em Porto Alegre, uma cidade majoritariamente branca, mas sem dúvida é Lourenço quem sofreu mais – e também quem tira de letra melhor. Federico enfrenta isso com mais raiva, até por ver que o irmão é tratado de forma diferente dele. E aqui o autor aproveita pra fazer a provocação da autodeclaração: se vc vêm de uma família negra mas é mais claro, você pode ou não se declarar negro?

Esse é um dos desafios de Federico, que encabeça uma ONG de combate ao racismo. O governo federal (2017) montou uma comissão e está rediscutindo o programa de acesso às universidades por meio de cotas e quer limitar a autodeclaração, exigir a apresentação de fotos e laudos, classificar os tipos de cabelo, os tons de pele... tudo isso para evitar fraudes. Os colegas que compõem a comissão são em sua maioria pessoas que não conhecem o assunto, não estão engajadas e frequentemente oferecem soluções absurdas e fora da realidade – que podem inclusive serem taxadas de racistas.

Enquanto Federico tenta fazer o melhor nessa comissão, sua sobrinha é presa em uma manifestação em PoA. Investigando mais a fundo, percebe-se que a prisão não foi à toa e está relacionada a questões do passado dos irmãos, e Federico precisa largar tudo e voltar às pressas para socorrer a família que precisa dele. Nos dois casos, tanto em Brasília quanto em PoA, os problemas giram em torno do racismo, e do quanto o Brasil não mudou nada nesse sentido.

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Esse é um romance que fala sobre preconceito no Brasil, sobre como o colorismo está presente no nosso dia a dia.

Imagine a seguinte situação: Dois irmãos (Federico e Lourenço) um branco de cabelo liso e o outro negro, desde cedo foram obrigados a entender que a cor de suas peles, definia a forma como eram vistos pelas outras pessoas.

É chocante notar frases altamente preconceituosas que são ditas por pessoas ditas como cultas, e que teoricamente não tem o intuito de machucar, mas que ferem bastante.

Afinal que criança lida bem com sua filiação sendo posta em questão, por simplesmente não ter a mesma cor do irmão, ou de seu pai?

Os meninos, moram em Porto Alegre, foram criados por um pai carinhoso e honesto que trabalha como perito criminal, e por isso é respeitado na comunidade em que vive.

Eles enfrentam muitos obstáculos até de tornarem adultos. Frederico acaba criando uma consciência política/social mais acentuada, e por conta de sua atuação na área, é convocado a participar de uma comissão que vai debater a importância das cotas nas universidades.

Esse livro é um prato cheio para quem deseja entender um pouco mais sobre o colorismo, miscigenação e negritude no Brasil nas últimas três décadas.

O ponto negativo é o final em aberto. Mas essa é uma questão muito pessoal, talvez você venha a gostar de finais assim, eu particularmente não gosto.

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Ultimamente tenho lido muitos textos importantes e esse foi um deles. Aborda de maneira fluida e quase como em fluxo de pensamentos (junto a falas e situações) o dia a dia intercalado no presente, quando é parte de uma comissão que visa discutir a implementação de cotas raciais; e no passado de Federico, que nos faz perceber o racismo e refletir sobre como a sociedade se comporta com questões de colorismo, preconceito e desigualdade ao mesmo tempo em que vive situações delicadas que vão repercutir no presente, na vida da sua família. O livro aborda questões que possuem muita discussão mas que não são fáceis de serem resolvidas em uma época que o Brasil se via sob um governo que chegou ao poder de maneira díficil - pra se dizer o mínimo, com lembranças da ditadura e remete muitas vezes à questão "quem é a população negra brasileira?".

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Essa semana eu terminei de ler "Marrom e Amarelo" de Paulo Scott, um livro contemporâneo brasileiro muito bem escrito. Ele conta a história de Federico, um homem que, ao ser chamado a fazer parte de uma comissão que discute cotas raciais nas universidades públicas, começa a ser confrontado com coisas que estiveram presente em toda a sua vida. Como cresceu, em meio à violência de um bairro pobre de Porto Alegre, e foi se descobrindo como um homem negro de pele clara e como isso o influencia em todas as suas relações e vivências.

Acho que o autor consegue dar conta do tema que quer discutir, mas algumas coisas me incomodam. As diversas histórias e núcleos que nos são apresentadas de uma vez, tanta coisa aparecendo num curto espaço, às vezes, parece "jogado". É fácil se perder em tantas tramas.

No final, ele consegue resolver algumas delas, mas, ao encerrar o livro, ainda fiquei com a sensação de que alguns fatos foram gratuitos e não acrescentaram aos pontos que ele queria levantar e à história que ele queria contar.

Apesar de tudo, é bem escrito, eu gostei da forma com que é narrado, tem boas reflexões, bons personagens e definitivamente vale a pena ler.

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Com uma escrita muito distinta e não convencional, marcada pelos poucos parágrafos e pontuação o livro retrata a história de dois irmãos, um branco e um negro, que tem posturas diferentes ao se deparar com as dificuldades da vida.

Para os românticos de plantão, fiquem tranquilos. Apesar de não ser o foco, o romance está presente para aquecer o coração daqueles que não leem um livro se não tiver um "lovezinho".

Marrom e amarelo é um livro essencial para aqueles que querem ler um romance que aborde temas importantes, como o racismo, colorismo e como nossa sociedade ainda está atrasada em relação a esses assuntos.

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A obra traz a história de dois irmãos, Frederico e Lourenço, que moram em Porto Alegre e têm pais negros. O que os diferencia é o tom de suas peles. Enquanto Frederico é mais claro e tem cabelos lisos, Lourenço tem um tom de pele bem mais escuro. O primeiro deles é o narrador da história.

O enredo discute acerca da instituição de uma comissão para discutir a política de cotas raciais por parte do governo federal, e da utilização de um software que sirva de auxílio para evitar fraudes. Frederico, o narrador, aos 50 anos passa a fazer parte de uma comissão dessas, e a partir daí ele passa a resgatar memórias e lembranças de seu passado, com vários episódios de racismo.

Achei o enredo bastante interessante e completamente necessário, posto ser atual. Através da narrativa, vemos os preconceitos que são infelizmente bem comuns, na nossa sociedade, bastante hipócrita. Um livro forte e essencial, que merece ser debatido por todos, por falar do racismo estrutural de um modo cru e real. Um livro inesquecível. E que deixa muitas reflexões sobre a equalização das diferenças e a necessidade de políticas afirmativas.

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Paulo Scott de forma muito assertiva fala sobre o racismo estrutural no Brasil. Um tema que é minimamente discutido no dia a dia da população brasileira.
Um livro tem uma excelente narrativa. muito dinâmica, a forma e pontuação escolhidas pelo autor nos impele a fazer a leitura no ritmo acelerado. Acho que de certa forma essa era a intenção de Paulo Scott.
Um convite ao questionamento sobre a falsa ideia de que no Brasil não existe racismo.
A linguagem é enxuta, não perde tempo (nem do escritor nem do leitor), a comunicação é imediata.
Gostei muito, vou procurar outros livros do escritor a partir de agora.

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Estamos participando do Desafio Literário da Companhia das Letras: 5 livros nacionais em 5 dias. Durante toda essa semana, postaremos nossas impressões dos livros aqui no site em nosso Instagram, Convidamos todos a participarem conosco – para todas as dúvidas, basta ler nosso post completo sobre o desafio.

Acredito que a primeira coisa que preciso assinalar é que a narrativa não se dá de forma linear: o passado e presente de Federico (chamado carinhosamente de Derico) e Lourenço vão se misturando em um intrinsecado conto de uma família formada por dois irmãos que são bastante diferentes de personalidade: Federico, o introspectivo, e Lourenço, que joga basquete e é expansivo. Federico é pardo, enquanto Lourenço é negro. E é através de dois irmãos, criados por uma mesma família, que vamos vendo uma história de racismo sendo contada com maestria.

O ponto inicial da narrativa, com um Federico mais velho e indo participar de uma comissão em Brasília (cidade que agora mora depois de deixar Porto Alegre, sua cidade natal) sobre cotas universitárias, te prende imediatamente. As pessoas contra e a favor das cotas vão falando durante o livro, e lemos de argumentos absurdamente bem fundamentos até os maiores absurdos conta as cotas. Federico se envolveu, na maior parte de sua vida, em questões raciais e acredita nelas.

E então o presente bate novamente a porta de Federico, o levando novamente de volta a uma Porto Alegre que é a casa de sua família e de um Lourenço mais velho e com uma filha, Roberta, que agora estão enfrentando outras situações delicadas – e que, talvez, estejam ligadas a juventude dos irmãos, que carregam segredos que não costumam pensar sobre, não mais. Já Roberta é uma personagem pivotal na história dos irmãos, já como é sobrinha e afilhada de Derico, e compartilha com ele toda sua visão sobre ativismo racial, ao contrário do próprio pai Lourenço, que nunca se envolveu na questão.

O título do livro é claramente uma referência a cor dos irmãos, que escutam perguntas sobre serem irmãos do mesmo pai e da mesma mãe por quase toda sua vida, além de enxergarem as questões raciais também pela forma como a sofrem, e o racismo é o tema central desta história. Racismo em todas as suas formas, em todas as suas frentes, o racismo que está impregnado em nossas vidas e também falando sobre o colorismo e as diferentes cores que todos nós estamos entre.

É um livro forte e poderoso e que não deixa de mostrar defeitos nos personagens também (e confesso que Derico fez algo que eu, como mulher, não posso deixar de apontar como muito, muito errado), mostrando o poder dos relacionamentos familiares, dos segredos que guardamos daqueles que amamos e até aonde estamos dispostos a irmos para salvá-los.

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A história aqui é de dois irmãos, sendo o protagonista Federico, de uma família de pretos, entretanto enquanto Lourenço é mais retinto Federico é o que chamamos de pardo (e atualmente gera muitos debates). É muito interessante que na história enquanto há algo familiar em relação aos irmãos serem diferentes, e consequentemente um sofrer racismo enquanto o outro era visto como branco, há um debate sobre cotas raciais na universidade em uma comissão que fala sobre um aplicativo para definir o quanto uma pessoa é preta ou não. Federico faz parte dessa comissão que ocorre lá por 2016, na mesma época em que Temer assumia a presidência do Brasil (em nenhum momento o nome dele é citado na história, mas o contexto histórico desse novo governo está muito presente).

Federico é um homem com seus 50 e tantos anos e está envolvido na luta de raças, por isso faz parte dessa comissão, e ao mesmo tempo uma parte de sua adolescência é contada, da época em que muitos conflitos ocorreram por ele não se entender como uma pessoa preta em sua própria família, além de ser assim na sociedade. Dois momentos, para mim, foram bem marcantes para esse conflito do personagem, sendo uma conversa com sua própria mãe e o momento em que ele precisa de alistar e o sargento lá resolve que é legal humilhar pretos. Esse amadurecimento do personagem em relação a sua negritude é muito bem construída e, acredito eu, muito representativa para quem se sente fora de algo por não se encaixar no que a sociedade enxerga como preto ou como branco, sabe? E até eu, falando como uma pessoa branca, gostei de entender um pouco que a negritude da pessoa não está somente na cor da pele, aquilo que a gente vê, mas há fatores genéticos, há as caracteristicas físicas, e a auto declaração que também é importante (e é assim que é feito no Brasil atualmente).

Quanto ao enredo em que a trama é construída há um conflito para ser resolvido, pois Roberta (sobrinha de Federico) foi presa por participar de um protesto em uma ocupação e a arma encontrada com ela tem uma história antiga com os dois irmãos. Foi um pretexto para Federico se reaproximar da família e suas origens, reencontrando algumas pessoas de seu passado que acabam confrontando-o a respeito de sua influência e o que ele fez para ajudar as pessoas de sua comunidade com isso. Outro ponto que gostei bastante foi o quase romance desenvolvido ali. Duas pessoas adultas sendo sinceras, conversando sobre a vida e o passado sem máscaras e sendo maduras sobre isso, estando ali um para o outro quando necessário. Da mesma maneira que um romance do passado de Federico aparece e há um amor ali, mas não um amor romântico, de saudade, de deseja da pessoa, mas um amor entre duas pessoas que viveram uma história e hoje se respeita e se tem como amigos. As formas sutis que o autor colocou isso na história, sem atrapalhar o assunto principal, foi maravilhosa.

Para quem procura um livro que fala sobre a forma de racismo do Brasil dos últimos anos esse livro é a minha indicação. Uma história que debate tudo isso em um personagem que levou algum tempo para entender a sua negritude e que, de certa maneira, desafia o leitor a refletir sobre a negritude e miscigenação do brasileiro.

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Esse é o primeiro livro que eu leio que trata tão abertamente da questão do colorismo que, pra quem não sabe, é a discriminação racial baseada no fenótipo e nos tons de pele. Isso quer dizer que quanto mais pigmentada a pele e quanto mais visível a presença de traços negros, maiores e mais violentos serão o preconceito e a discriminação sofridos pela pessoa em questão.

Esse é um tipo de discriminação muito comum, devido à miscigenação, em países que sofreram a colonização europeia, sobretudo naqueles onde houveram regimes escravocratas, como é o caso do Brasil.

Pessoalmente como mulher não-branca (parda?), acho esse um tema não só interessantíssimo como extremamente necessário.

Federico (assim, sem o “R” mesmo, por um erro do cartório), é um homem de quase cinquenta anos, pardo de pele clara e cabelo liso que cresceu na periferia de Porto Alegre numa família de classe média composta por pai (preto), mãe (preta de pele clara) e o irmão mais novo, Lourenço (preto de pele retinta).

Cito o contexto racial em que ele cresceu porque essa é uma questão crucial pra história. Federico é um personagem que, embora se reconheça como negro, também entende que o fato de ter cabelo liso e pele clara, faz com que ele seja facilmente lido como branco. O que significa que, embora ele também esteja suscetível a sofrer preconceito em alguma medida, ele nunca será um alvo tão direto quanto seu irmão, por exemplo.

O livro é narrado em primeira pessoa por Federico e é possível sentir, linha após linha o quão cansado ele se encontra de lidar uma e outra vez com as questões do racismo tão entranhado no nosso país. Advogado e militante de causas raciais, ele acaba de ser convocado para uma comissão cujo objetivo é determinar os parâmetros pra um novo software que pretende identificar quais alunos tem direito às cotas raciais nas universidades, mas ao saber da prisão da sobrinha durante uma manifestação, decide voltar à cidade onde cresceu para ajudar.

“E eu estou assim, com essa sensação insana de fim de festa, de que mais nada anda valendo muito a pena, Que a vida, a minha vida, em perspectiva, é muito menos do que eu imaginava, eu disse.”

Marrom e Amarelo é uma história de retorno (ainda que involuntário) e trás à tona questões sobre racismo, colorismo e não-pertencimento. E, embora os personagens aqui retratados sejam fictícios, as situações pelas quais eles passam não o são. Preconceito racial ainda é (infelizmente), uma realidade no Brasil. Ter autores abordando esse tipo de tema, especialmente em uma ficção, é de extrema importância.

Ouvi, certa vez, que: “o Brasil é um país mal resolvido com suas maiores dores”. E é verdade. Não falamos sobre os erros que cometemos enquanto nação, não fazemos um mea culpa. Seguimos em frente, simplesmente. Nosso jeito de lidar com nossas mazelas históricas é o apagamento. Fingimos que nunca aconteceu. Fingimos que racismo não existe. Fazemos de conta que negros tem as mesmas oportunidades e são tratados da mesma forma que a parte branca da população. Ignoramos propositalmente o fato de que quanto mais pigmentada a pele, maior e mais profundo é o abismo social em que a pessoa se encontra.

E enquanto não falarmos sobre o assunto, enquanto não trouxermos esses temas (por mais dolorosos que sejam), pra literatura, pra música, pro cinema e pras rodas de conversa, não seremos capazes de deixar pra trás nosso passado nefasto e todas as consequências dele que ainda reverberam nos dias de hoje.

Marrom e Amarelo é uma leitura interessantíssima. O texto é inteiro escrito em uma espécie de fluxo de consciência, com parágrafos enormes e descartando completamente o uso de marcadores específicos para os diálogos, como travessões ou aspas. Mas o livro é curtinho, então creio que até mesmo quem não é muito fã desse estilo de escrita acaba conseguindo ler sem problemas. Espero que você dê uma chance.

Abraço!

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Seguindo a história de um homem de pele clara que cresce em uma família negra e que, ainda assim, não sabe se é branco ou preto, “Marrom e amarelo” vai abordar as diversas camadas que envolvem questões raciais, desde o momento em que Federico, narrador-personagem do romance, defende que um software para definir a aprovação de candidatos às cotas não funcionaria até quando questiona sua própria cor.

Ainda assim, a história se enreda de muito interessante conforme percebemos como as passagens narradas no passado começam a se entrelaçar com as narradas no presente, dando um sentido ainda maior a elas.

A escrita de Paulo Scott é um elemento a mais para quem se aventura nesse livro. Em primeiro momento, pode até causar certa estranheza, principalmente pelo pouco uso de conectivos.

Talvez a maior falha fo livro seja o final aberto demais, sem respostas para tantas das questões que o livro suscita, o que nem sempre é um problema, mas, neste caso, parece não fazer muito sentido.

Mesmo assim, vale a leitura e cada reflexão.

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Marrom e Amarelo é uma história apreciativa e impactante, onde nos mostra como a discriminação racial está latente na nossa sociedade brasileira e como o protagonista agiu e continua agindo diante de determinados atos.. Paulo Scott levanta o tema e nos convida a trazer o debate para o campo pessoal e social. É também uma história de retorno, de voltar às nossas raízes e nos encontrarmos.

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Um clássico retrato do racismo brasileiro, Marrom e Amarelo narra a história de dois irmãos gaúchos muito diferentes não só em suas personalidades intensas, mas também na aparência física. Lourenço, é um negro, charmoso, modelo e jogador de basquete, a extroversão em pessoa. Enquanto seu irmão mais velho, Federico, é pardo, introspectivo, mas muito inteligente e comprometido com causas sociais. Com certa pitada regional, o autor conta anos e causos da vida desses irmãos, que têm uma relação digna de novela das nove.

No começo da trama, conhecemos um Federico em primeiro ponto de vista, morador de Brasília e membro de uma comissão que decidirá o futuro das cotas raciais no ingresso de universidades públicas nacionais. Esse começo político, é sem dúvidas a melhor parte do livro. Discussões e diálogos muito bem construídos mostra como a atual capital do Brasil é um centro de disputas de interesses pessoais e de partidos políticos, bem diferente do que deveria ser o lugar onde os rumos do país são tomados. Dotado de muita sabedoria, Federico defende suas opiniões e tem colegas igualmente brilhantes, o que tornam essas primeiras páginas um prato cheio para os amantes de política.

Entretanto, páginas depois, a narrativa começa a mesclar o passado e o futuro de Federico, nos levando entre Porto Alegre e Brasília diversas vezes. Talvez por isso, ganhamos confusões temporais em meio a diálogos construídos sem pontuação indicativa (travessões ou aspas, por exemplo). Confesso que tinha expectativas menos fictícias com esta leitura, mas mesmo assim, ainda não sabendo exatamente onde estava na cronologia da vida de Federico, consegui aproveitar e entender um pouco sobre a rotina de negros e mestiços no Sul do Brasil. Realidade que certamente não era fácil em 1980 e não é em 2020.

Apesar dos dois protagonistas homens, diversas passagens sobre casos de racismo e muitas partes onde a polícia militar vira a estrela da cena, o livro têm mulheres icônicas. A filha de Lourenço, Roberta, é uma ativista ferrenha com um dom para atrair confusões com a polícia a mesma medida que transforma a realidade a sua volta. A ex (não tão ex assim) de Federico, Bárbara, em cada linha traz a sensualidade e sensatez de uma psicóloga brilhante.

Com um final inconclusivo, mas muito emocionante, me despedi da escrita de Paulo. Muito diferente do que estava acostumada, mas certamente carrega seu brilhantismo. Como negra, sinto que não foi uma obra sobre racismo que me trouxe novos insights, mas aos que começaram a enxergar o racismo e seus malefícios há pouco, certamente será uma leitura rica e emocionante.

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