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Quinto romance de Virginia Woolf, ‘Passeio ao Farol’ foi originalmente publicado em 1927.
A narrativa deste romance divide-se em três partes: A janela, O tempo passa e O Farol; e a ação é ambientada na casa de férias da família Ramsay nas Ilhas Hébridas, Escócia, local onde o casal com 8 filhos e alguns amigos passam o verão. Na primeira parte do romance há a promessa de um passeio ao farol, feita pela Sra.
Ramsay a seu filho James, que poderá ocorrer no dia seguinte, dependendo do clima. Essa promessa é negada pelo Sr. Ramsay, que expressa sua certeza de que o tempo não estará claro, opinião que gera uma certa tensão entre o casal, que ecoa por toda a obra.
A segunda parte do livro movimenta-se como se fosse narrada pelo próprio tempo, em uma casa já vazia e abandonada pela família, no pós primeira guerra.
Nessa fase, a Sra. Ramsey e dois de seus filhos estão mortos e há uma sensação de perda acompanhando a passagem do tempo. A clara visão de como as coisas mudaram desde que a casa de veraneio foi desocupada é narrada em um capítulo curto e com grande tom emocional.
Na última parte, após as perdas na família e o fim da guerra, eles retornam para a casa anteriormente desocupada, e finalmente o Sr. Ramsey decide ir com seus filhos fazer a viagem ao farol.
Essa é a obra mais autobiográfica de Virginia, e os personagens principais, Sr. e Sra. Ramsay, foram inspirados em seus pais na vida real. Acompanhei toda a narrativa com a sensação de que a autora criou um retrato familiar revisitando seu passado e seus sentimentos, e se curvando sobre a passagem do tempo e as mudanças que ela provoca no movimento da vida. Através de uma escrita bastante poética e envolvente, criou um livro lindo, que eu recomendo fortemente. A minha edição é da Penguin-Companhia, e tem tradução de Paulo Henriques Britto.

"Passeio ao Farol" oferece uma narrativa desafiadora e profundamente introspectiva. A imersão no fluxo de consciência pode ser complicada para os leitores menos familiarizados, apresentando um emaranhado de pensamentos e vozes interiores de cada personagem. No entanto, o romance se transforma em uma jornada poética, mergulhando nas psiques dos personagens e revelando a poesia inerente aos diálogos e pensamentos mais simples da vida. . A descoberta reveladora no posfácio, demonstrando a presença marcante da autora em cada personagem, acrescenta uma camada de intimidade à obra.

Obrigada a Companhia das Letras e a NetGalley por disponibilizar o arc de "Passeio ao Farol" em troca de uma resenha honesta.
“Sim, claro, se amanhã fizer tempo bom. [...] Mas você vai ter que madrugar.”
A última vez que eu havia lido um livro da Virginia Woolf foi ano passado, com "Orlando", e "Passeio ao Farol" me lembrou que a sua escrita entrega tudo o que sinto falta quando leio outros livros — nuances e detalhes que me fazem enxergar aquele personagem como uma pessoa, com profundidade psicológica palpável. Enquanto lia, me esqueci que aquela não era uma família real que eu espiava através de uma janela. A voz de Woolf é muito característica da autora (como o fluxo de consciência, as descrições de uma vida comum e as divagações dos personagens sobre pequenas questões) ao mesmo tempo em que ela desaparece no segundo plano.
Com isso, quero dizer que Woolf deixa as personagens dela serem e viverem de modo autêntico nas páginas — em nenhum momento sou catapultada para fora do livro e lembro que essa é uma história conduzida por uma autora com certas intenções e um enredo estabelecido. Como eu disse anteriormente, muitas vezes sinto que a voz do autor é perceptível na narrativa: sinto o autor querendo moldar meus pensamentos e impressões sobre os personagens e suas atitudes, sinto que sou conduzida contra a minha vontade a tirar certas conclusões. Com Woolf, isso não acontece. Ela realmente “mostra em vez de contar” e deixa as personagens carregarem o livro para onde eles quiserem levá-lo — nesse caso, para o farol.
Não conheço outras traduções deste livro, mas essa edição da Penguin tem toda a qualidade que a coleção promete e entrega sempre. Foi uma leitura muito fluida e natural. Esse foi o livro da Woolf (até o momento) que mais me envolveu. Apesar de pensamentos que se enrolam e algumas descrições densas, como é típico das suas obras, foi o livro de Woolf que li mais rápido e mais me prendeu.
De maneira geral, as partes 1 e 2 me intrigaram mais que a parte 3, porque fiquei envolvida com a dinâmica do casal Ramsay (seus oito filhos, com exceção de James e Cam na última parte, não têm tanto destaque) e Lily Briscoe, uma pintora que faz parte do círculo social da família. Mas essa leitura foi uma experiência incrível — talvez a minha favorita da Woolf — que vai ficar comigo por muito tempo.
“As Graças haviam unido seus esforços em campos floridos de abróteas para compor aquele rosto.”
A sra. Ramsey é uma das personagens femininas que mais tive o prazer de ler. Ela tem muitas faces: mãe de oito filhos, casada com um homem por quem sente emoções conflitantes, conhecida por sua beleza e condutora da vida de todos de sua esfera (e muito casamenteira!). Apesar do marido achá-la pouco inteligente, Woolf contradiz essa impressão quando nos mostra os funcionamentos internos de sua mente. De forma irônica, Woolf revela o tempo todo, na verdade, que a sra. Ramsey faz reflexões mais complexas que seu marido e é uma ótima observadora do que acontece no seu círculo social, mas é subestimada por ser mulher e dona de casa.
“Queria compaixão. Queria que confirmassem que também ele vivia no coração da vida; que precisavam dele; não apenas aqui, mas em todo o mundo.”
O sr. Ramsay é, simultaneamente, admirado e odiado por quase todos ao seu redor, incluindo seus filhos. Conhecido por sua severidade, ele também é um escritor e pensador exaltado pela sua intelectualidade. Contudo, quando estamos no seu ponto de vista, vimos suas inseguranças e sua necessidade de ser lembrado e lido. Apesar do exterior confiante, ele tem medo de ser esquecido e cair na obsolescência, mostrando mais uma vez a complexidade dos personagens de Woolf.
“Quem sabe o que somos, o que sentimos? Quem sabe, mesmo no momento de intimidade: isto é conhecimento?”
Lily Briscoe é amiga da família Ramsay. Ela é pintora e uma mulher independente, que não tem o objetivo de casar e ter filhos. Porém, ela luta contra a misoginia que internalizou de tanto ouvir e ser exposta a comentários detestáveis e sexistas como os de Charles Tansley, que acredita que “mulheres não sabem escrever nem pintar”. Ela também enfrenta o que hoje chamaríamos de “bloqueio criativo” e “síndrome do impostor”. A personagem de Lily Briscoe representa todos os tipos diversos de artistas e principalmente, a mulher artista, cujas dificuldades Woolf conhecia muito bem e enfrentava na época.
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