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Member Reviews

Não me lembro de ter lido algo algo nos últimos anos que me deixou tão inquieta como alguns contos específicos desta coletânea me deixaram, mas não deveria esperar diferente ao ler os nomes das autoras, algumas bastante conhecidas – e que inclusive já resenhei diversas para o site, entre elas Natércia Pontes, a qual resenhei “Os Tais Caquinhos” (leia sem spoilers clicando AQUI). Temos ainda um conto de Micheliny Verunschk, que a Ju já resenhou dois livros “O Som do Rugido da Onça” e “Caminhando com os mortos” (leia sem spoilers clicando AQUI). Natalia Borges Polesso também se faz presente e dela já resenhei 2 livros, “Corpos Secos” e “Condições ideais de navegação para iniciantes” (leia sem spoilers clicando AQUI). Temos ainda Fabiane Guimarães, que é uma autora que particularmente gosto bastante e já resenhei dois de seus livros, “Apague a luz se for chorar” e “Como se fosse um monstro” (leia minhas resenhas sem spoilers clicando AQUI). Marcela Dantés conheci este ano com “Vento Vazio” (leia minha resenha sem spoilers clicando AQUI) e, por fim, temos a resenha de “Redemoinho em dia quente”, de Jarid Arraes (e você pode ler minha resenha sem spoilers clicando AQUI) – tudo isso para te dizer que são autoras que conheço, gosto e consumo, algumas nem resenhadas, todas juntas em um dos meus gêneros favoritos, o terror, entregando pequenas peças capazes de provocar questionamentos e medo real.

Como todo livro de contos, há diferenças gigantescas entre o modo de escrita, o tom, o tamanho e a motivação de cada conto, mas me permita deixar claro que cada um dos 20 contos de “O Dia Escuro” é realmente assustador em seu gênero, porque sim, também há mudança de gênero entre eles. Fica claro também que o tamanho dos contos são curtos, já como o livro tem 230 páginas físicas e ainda conta com uma apresentação escrita por Fabiane Secches, que se intitula “Luz e Sombra”, atestado algo sobre os contos que posso afirmar que não poderia ser mais verdade: “Os contos aqui reunidos são bem diferentes entre si”, mas, mais do que isso, é nos lembrarmos que são todos escritos por mulheres, grandes nomes atuais da literatura nacional, então a pergunta principal que será respondida aqui é justamente o que nos assusta nos tempos atuais. O que te assusta, você que me lê e é mulher. Eu não sei a resposta disso, mas posso afirmar que a resposta provavelmente estará presente em alguns dos contos a seguir, dos quais falarei individualmente.

O conto que abre o livro se chama “O dedo” e é escrito por Lygia Fagundes Telles, trazendo uma mulher que encontra um dedo em um dia na praia, a mistura de algo extremamente mundano com algo aterrorizante em uma leitura rápida com o ritmo que a autora por nos proporcionar. O conto a seguir é escrito pela incrível Micheliny Verunschk e se chama “O reino lá de fora”, que é um dos melhores desta seleção por misturar o luto, o sobrenatural e o desespero em poucas páginas capazes de acertar o leitor com tudo: Alice perdeu a irmã Karen em um atropelamento, e os pais, tentando manter a segurança da filha, se mudam para uma casa afastada, onde a garota começa uma amizade com uma garotinha que parece que não ter casa e diz conhecer sua irmã. O final ainda me assombra – parabéns, Micheliny. Em “Melhor nada saber”, de Maria Valéria Rezende, somos apresentados a Maria Flor, uma garota que termina se perdendo em seus próprios desejos e as expectativas colocadas sobre seus ombros. Já “Roma”, de Andréa Del Fuego, temos os gêmeos Alcides e Alcebíades, apresentando uma trama tão curta, impactante e sinistra em um amor pelo fogo que me pegou desprevenida.

“Chorona”, de Natércia Pontes, foi realmente o conto que mais entrou em meus ossos. Em um conto curto sobre uma mulher que assiste um filme sobre a lenda da Chorona (sim, aquela do filme do universo dos filmes “Invocação do Mal”) e que se questiona o que poderia acontecer para uma mãe matar os filhos, até chegar a se imaginar naquele lugar – arrepiador demais. Então temos o conto de Fabiane Guimarães, uma autora nacional que já tem minha atenção total, que se chama “A troca” – e para quem leu a sinopse, sabe que o conto no qual a filha acredita que trocaram a sua mãe. Flertando com a psicose, a protagonista Luciana tem certeza de que a mulher que mora em sua casa, mãe da sua irmã e esposa do seu pai, não é a mesma mãe que ela teve e conheceu, e confesso que queria poder perguntar a ela milhares de coisas que terminei o conto me questionando, mas, se querem spoiler, pra mim, fica bem claro no final a resposta da pergunta da personagem em um dos melhores contos para mim. “Profundeza”, de Eliana Alves Cruz, traz Enrico Oiro Terceiro, um herdeiro de uma família que explorava minas, enlouquecendo com o peso de toda exploração e mortes nas costas de sua família, no mais puro clima de terror e um tanto de gore.

“Coração da aurora”, de Ana Rüsche, é um conto quase lirico sobre uma garota e sua família que mora à beira do mar, o relacionamento tóxico entre mãe e filha, pais ausentes, irmãos omissos e um final agridoce, mesmo sendo lindíssimo. Agora temos o o conto que mais me assustou pelo terror e pela realidade que nós, mulheres, sofremos: “Cão dos infernos”, de Laís Romero, trouxe uma analogia que qualquer uma de nós será capaz de entender e desde que comecei a ler o livro, eu já esperava um conto de terror com alguma analogia a este tema, e confesso que Laís superou minhas expectativas: claustrofóbico, sem nada explicito (mas claro o suficiente para entendermos muito bem) e chocante, temos uma garota de 10 anos recebendo uma visita de um cão dos infernos, visita esta que a acompanha por muitos anos em sua vida personificada em sua personalidade arredia. Não preciso falar muito mais, só dizer que vocês me entenderão – e o final é uma explosão de tristeza com loucura, muito como acontece ai fora. “Pintinho verde”, da já consagrada Jarid Arraes, traz uma protagonista deveras peculiar – tão peculiar que nos faz questionar se ela tem algum problema de personalidade em um conto de terror muito bem executado.

Entrando também no meu top de melhores contos, temos “Os pássaros”, de Natalia Borges Polesso, com Claúdia, nossa protagonista que viaja com amigas para tentar se divertir depois da doença do pai, mas está sendo atormentada por pássaros – que talvez não sejam pássaros exatamente. Este conto é um dos melhores exemplos de se usar o terror para externalizar emoções e traumas que são quase impossíveis de se conviver com. “A água me contou um segredo”, escrito por Cidinha da Silva, é um lembrete que nenhum terror superará a realidade: um corpo carbonizado e uma das mais vergonhosas passagens nacionais que estampa a desigualdade e falta de empatia que sofremos como sociedade em poucos para grafos. Marcela Dantés é a autora do próximo conto, “Gilda”, nome da protagonista que está completando 16 anos no conto mais inesperado e chocante desta seleção. “Aonde tem vento eu vou”, de Trudruá Dorrico, brinca com um futuro tecnológico, IA e um tipo de terror que muitos acreditam que pode acontecer realmente, sendo, sem sombras de dúvidas, o conto mais diferente de todos em um terror especulativo dentre histórias de terror clássico e metáforas.

As mudanças que a sociedade aceita para recolocar os homens como sendo o padrão de tudo está presente em “Ginecomastos”, de Amara Moira, em uma sociedade na qual os homens começam a desenvolver a condição que dá nome ao conto. “Época de milagres”, de Mariana Salomão Carrara, traz uma única mulher trabalhando em uma empresa – e foi um soco pra mim, uma ideia simples e um tanto quanto assustadora, mesmo com o final. “Coma antes que esfrie”, de Flávia Stefani, Júlia vai a um jantar na casa do patrão do seu marido e vê diante de si como não reconhece o homem com quem é casada em suas escolhas e atitudes no conto mais vertiginoso e claustrofóbico de todos nesta antologia. Já “Neon”, de Carola Saavedra, apresenta uma metalinguagem sensacional: a autora se questiona sobre o que escrever e seus personagens se misturam em uma história sobre estranhos familiares e a falta de (ou total) inspiração.

“Paixão de santidade”, de Dia Nobre, é também um conto chocante sobre uma beata chamada Madalena, que chega aos extremos por sua fé, envolvendo Igreja, mortes e como a fé é capaz de deixar qualquer pessoa louca. Literalmente. E fechamos com “São Paulo é como um mundo todo”, de Socorro Acioli – e digo que eu estava bastante ansiosa para ler porque bem, é a Socorro. Para meu deleite, o conto é tudo que pensei que realmente seria: Sofia, nordestina, viaja a trabalho para São Paulo. Tentando impressionar, compra uma roupa em um brechô, mas talvez essa roupa não venha sozinha. Definitivamente, se você gosta de terror, você precisa ler este conto porque a forma como ele é escrito, sem informação demais ou menos do que deveria ter é exemplar, do tipo que te deixa amando mais ainda livros e contos.

Todos os contos aqui presentes são curtos, o que claramente acelera a leitura, que é rápida mesmo com a mudança de tema e escrita, que se torna claro a cada conto. Mulheres sempre são extremamente plurais e esta coletânea de contos deixa isso bastante claro, com as ideias colocadas em papel, contos tão dispares entre si com uma única perfeita a todas as autoras já citadas acima.

Falei rapidamente sobre cada um dos contos para deixar claro a diferença do clima e ambientação de cada um deles, completamente diferentes entre si, mas, de alguma forma, é justamente isso que faz este livro tão completo assim, com claridade as respostas da pergunta sobre o que nos assusta tanto. Sei que livros que não me prende me assustam muito, e saio assustada de ler “O Dia Escuro” – mas deixo claro que não por este motivo.

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Esse livro compila contos de autoras brasileiras com aspectos do horror (nem sempre medo em si, nojo e coisas além da imaginação também). Alguns contos começavam devagar e iam se revelando os horrores nem sempre sobrenaturais, mas muito reais. De todos o meu acho que o estilo narrativo do conto da Carola Saavedra foi o que mais me chamou atenção, mas todos os outros não ficam muito atrás. Recomendo como forma de conhecer novas autoras brasileiras contemporâneas e ver um pedaço da escrita nacional atual.

Obrigada Netgalley e Companhia das Letras pelo ARC deste livro.

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“O que nos aterroriza hoje?”

A partir dessa pergunta, vinte escritoras brasileiras mostram seus contos de terror, sob a organização de Fabiane Secches e Socorro Acioli.
A antologia nos brinda de duas diferentes formas: reforça o poder das escritoras mais conhecidas e também nos surpreende com a escrita de novas autoras.
Iniciando com a intrigante narrativa de “O dedo”, de Lygia Fagundes Telles, a seleção vai do bizarro ao fantástico, do terror clássico ao novo, sempre nos fazendo ansiar pela próxima estória.
Os contos são independentes e não apresentam conexões entre si, mas todos vertem para a sensação do medo, de formas sutis ou mais abertas. Contos para serem lidos e relidos, e autoras que com certeza serão publicadas mais vezes.
Micheliny Verunschk mais uma vez entrega tudo em “O reino lá de fora” e tem a capacidade de nos deixar abismados. “A troca”, de Fabiane Guimarães nos deixa sem respirar até o final da narrativa. “Gilda”, de Marcela Dantés, consegue tocar de forma contundente um dos piores medos humanos. Todos os contos são muito, muito bons.
Concluindo com o conto de Socorro Acioli, “São Paulo é como um mundo todo”, a antologia fecha com chave de ouro o mergulho no sobrenatural e no medo.

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